A.C.V
- Um de meus temas preferidos é o da perda
da inocência. Talvez “O Meio do Mundo”
seja o mais emblemático, porque o menino
é levado para um determinado lugar sem que
saiba muito bem o que vai lhe acontecer. O título
remete a um lugar perdido no ermo do mundo, e também
à linha divisória entre dois momentos
da vida: o da inocência e o desconhecido.
Gosto de trabalhar com a infância e a adolescência,
porque são momentos cruciais em qualquer
existência. Tudo o que coloquei no conto foi
muito pensado: o ambiente árido do sertão,
a mulher carvoeira, suja e sem voz, a pobreza da
casa, tudo para se contrapor à riqueza da
experiência que será vivida por Tonho.
EL - Qual foi
sua reação ao saber que seu conto
seria transformado em um filme de curta-metragem?
A.C.V
- Eu não
conhecia Marcus Vilar. Quando ele me ligou falando
que pretendia filmar o conto, me deixou exultante
porque vi que o livro começava a circular,
o que é o desejo de qualquer autor. Fiquei
à espera de algum filme dele. Foi no Festival
de Curtas de Sergipe que o conheci e vi seu magnífico
“A Canga”. Não tive dúvidas
de que o conto estava em boas mãos e nunca
duvidei do seu resultado.
EL
- O
Marcus me contou que o senhor fez um conto baseado
numa experiência dele...
A.C.V
- Dificilmente
escrevo sobre coisas que me contam ou me acontecem.
Às vezes um fato qualquer pode desencadear
um conto, mas não a história em si.
Quanto à história do Marcus, achei-a
tão impressionante que, ao chegar em casa,
sentei diante do computador e a escrevi de um jato
só. Depois foi só reinventar. burilar,
trabalhar a linguagem para não ficar chula.
Claro que nem tudo o que está lá aconteceu
com o Marcus, sobretudo o desfecho. Ele deu o mote
e eu criei em torno uma situação nada
confortável para o adolescente que lá
está. O conto terminou sendo um dos que mais
fazem sucesso entre os leitores. Não vou
dizer qual é porque não pedi permissão
a ele. Está no meu último livro, “Aberto
está o inferno”. Agora todo mundo vai
querer saber. Isso é com ele.
EL
- Qual
sua expectativa com relação a esse
filme?
A.C.V
- Sempre
alimentei grandes expectativas e acho que não
vou me decepcionar. Antevejo algumas cenas a partir
do que vi em “A Canga”. Marcus sempre
falou comigo sobre o roteiro, alterações
que fez, o cuidado para que o filme não ferisse
suscetibilidades. Marcus deve ter captado isso com
a sensibilidade que tem.
EL
- Como
é seu processo de criação?
A.C.V
- Criar
é algo bem complicado. Há dias em
que não somos capazes de escrever uma linha.
Outros, basta pôr a primeira palavra que o
resto vem de roldão. Sou muito disciplinado
e quem não for não faz nada na vida.
Todo dia me acho na obrigação de escrever
alguma coisa, mesmo que não dê em nada.
Seria bom que sempre desse em alguma coisa, mas
isso é impossível. O importante é
estar disponível, não ter medo de
perder tempo com algo que pode resultar em fracasso.
Às vezes penso que determinada história
não vai dar em nada e, de repente, com mais
uma volta do parafuso, eis que ela rende o impensável.
Escrever tem dessas surpresas. Como sou muito meticuloso,
demoro muito a terminar um conto. E, mesmo quando
o dou por concluído, sempre acho que poderia
ficar melhor. É aquela eterna insatisfação
de quem pretende fazer arte.
EL
- A
literatura sempre foi a grande fornecedora de idéias
para o cinema mundial, desde o século passado,
haja vista produções como E o Vento
Levou, Cidade de Deus, O Pagador de Promessas entre
tantos exemplos que poderia citar. Na sua opinião
a literatura e o cinema, essas duas formas de arte,
se completam e se entendem perfeitamente?
A.C.V
- O que
nenhum autor pode querer é que o filme seja
uma ilustração do romance, do conto
ou do poema. Assim não seria cinema. O cinema
tem sua linguagem, e muitas vezes o que funciona
no papel não funciona na tela. Não
gosto quando as pessoas falam assim: “O filme
é melhor do que o livro”, ou vice-versa.
Cada um deve ser visto dentro da forma que lhe é
peculiar: literatura é palavra; cinema é
imagem. Cinema, televisão, literatura sempre
vão se entender. O que se precisa fazer é
dar educação para que o leitor-espectador
veja cada um dentro de seus limites. Pior quando
dizem “não li o livro mas vi o filme
(ou a minissérie)”, como se uma coisa
substituísse a outra. Assim não dá.
EL
- Fala
um pouco do início de sua carreira, de quando
o senhor descobriu que era um autor e quando teve
a certeza que queria seguir essa carreira.
A.C.V
- Escrever
todo mundo quer um dia na vida. Eu comecei por acaso,
quando comprei minha primeira máquina de
escrever. Assim que cheguei em casa com aquela conquista,
pus um folha de papel e deixei que viesse da minha
cabeça qualquer coisa, sem censura prévia,
mas sem pretensão nenhuma de ser escritor.
Veio uma história interessante que eu nunca
imaginei ser possível eu criar. É
o conto “Brincar de manja”, que está
em O meio do mundo e outros contos. Gostei da experiência
e continuei escrevendo. Quando tinha um bom número
de contos, apresentei a algumas pessoas que entendiam
do riscado e elas me incentivaram a continuar. Aí
veio Brincar de Manja (1974). Depois, Em Pleno Castigo
(1981), O Meio do Mundo (1993), O Meio do Mundo
e outros Contos, este uma seleção
dos melhores contos dos três anteriores, publicado
em 1999, pela Companhia das Letras. E agora, Aberto
está oIinferno (2004), também pela
Companhia. Como vê, trabalho devagar, com
muito cuidado. Ter chegado à Companhia das
Letras para mim foi o ponto mais importante da minha
carreira, que começou praticamente de uma
brincadeirinha.
EL
- Lembra
de algum momento ligado ao seu trabalho que o deixou
triste, magoado?